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Da história ao presente, da exposição à investigação: repensando o Brasil e a antropologia pelo ensino e a aprendizagem em tempos de pandemia

Por Leonardo Carbonieri Campoy*

Cansaço, tédio, angústia, ansiedade e desesperança. Esses foram os sentimentos e emoções que meus alunos disseram que estavam sentindo no início do segundo semestre de 2020. Acreditei neles, não só porque já nos conhecíamos por dois anos, tendo aulas todos os semestres desde que começaram a graduação. Seus rostos e vozes, que chegavam até mim pelas modulações digitais da plataforma que utilizávamos para as aulas, denunciavam seus esgotamentos e desânimos. Acreditei neles porque também me sentia assim.

Na verdade, todos os professores universitários acreditariam no desalento dos meus alunos porque também se sentiram assim em 2020. Desde a eclosão da pandemia, fomos obrigados a migrar para as aulas remotas, tendo de aprender a usar novos aplicativos virtuais, a encontrar e inventar estratégias pedagógicas que não dependiam da presença física e, sobretudo, a lidar com as frustrações que as aulas on-line impuseram. Um formato que nem nós nem nossos alunos escolheram, que cansa os olhos e as costas, que nos priva das interações e comunicações que só a presencialidade corporal permite, um formato em que, quando a aula acaba, estamos sozinhos em nossos lares, impedidos de ter as valiosas conversas que geralmente tínhamos depois das aulas.

Também conseguimos entender meus alunos porque, assim como eles, nos sentimos angustiados com os medos e as incertezas abertos pela pandemia. Ficamos preocupados com nossos familiares, talvez tivemos dificuldades econômicas, tivemos de trabalhar e cuidar dos nossos filhos ao mesmo tempo e em um mesmo ambiente. Tivemos crises de ansiedade e insônia, sofremos com os tristes números da pandemia e ficamos sem fôlego ao perceber que era impossível saber quando tudo isso terminaria.

Sobretudo, conseguimos entender meus alunos porque somos brasileiros e/ou vivemos no Brasil em 2020. O impacto da pandemia no Brasil foi brutal porque, por um lado, mais da metade da população vive em condições sanitariamente muito precárias e, por outro, nosso governo tem sido impressionantemente incapaz de gerenciá-la e de condicionar nossa proteção. Desde o início, o presidente sempre criticou o uso de máscaras e a adoção de medidas restritivas de circulação, gastou milhões de dólares com remédios que comprovadamente não tinham eficácia preventiva contra o vírus, fez tudo o que podia para não comprar vacinas e jamais fez qualquer discurso reconhecendo a gravidade da pandemia. Ainda hoje, ele mantém-se inflexível em seu negacionismo, postura essa acompanhada por boa parcela da população que ainda o apoia, aquela eminentemente no topo da estratificação social brasileira.

Contra-atacar no Brasil cindido

Na verdade, a pandemia atualizou um condicionante histórico da realidade social brasileira. Um condicionante que, em termos deleuzianos, podemos chamar de devir dicotômico entre o senhor e o escravo; em tons mais lévi-straussianos, de uma estrutura mítica cindida entre quem manda e quem é mandado; ou ainda, em uma verve marxista, em um conflito de classes entre ricos e pobres, entre quem é proprietário e quem é explorado.

Na pandemia, quem entende que é dono deste país, tendo condições de se proteger do vírus, recusou medidas públicas de controle e, no limite, de qualquer solidariedade para com o sofrimento do outro. O resto da população fez o que pôde para se proteger e sobreviver. Parece que, no Brasil, fomos destituídos do direito ao luto durante a pandemia, de ter nosso sofrimento reconhecido e de poder vivenciá-lo coletivamente. Meus alunos, eu e provavelmente vocês também compartilhamos o cansaço, ora angustiado, ora raivoso, mas constantemente dilacerante, de não poder enlutar-se dignamente no Brasil dos últimos anos.

A essa aliança demoníaca de aulas remotas, pandemia e negacionismo, soma-se a histórica e terrivelmente injusta desigualdade estrutural do Brasil. País americano que mais recebeu escravos e o último a acabar com a escravidão, com um território conquistado por meio do genocídio de mais de 500 anos de centenas de nações indígenas, com uma cultura machista e sexista que faz do Brasil o país que mais mata mulheres, gays e pessoas trans, país que fez muito pouco para combater suas desigualdades em um século XX repleto de episódios ditatoriais, o Brasil, hoje, está cindido em dois lados: um, que apoia Bolsonaro e que deseja continuar reproduzindo nossa história de violência, preconceito e discriminação e outro, que desesperadamente procura imaginar e construir outro Brasil, menos injusto e mais inclusivo.

Meus alunos, estudantes de antropologia, são sensíveis às desigualdades e injustiças do Brasil. Ou melhor, eles são produtos dessa desigualdade. Eles mesmos pobres, pretos, mulheres, gays e moradores de bairros periféricos, foram moldados pela violência de nossas desigualdades. Estudar antropologia, para eles, é uma forma de contra-ataque, um modo de formação de uma subjetividade que não só resista, mas que possa também ser ela mesma uma ilustração de um outro Brasil. Para meus alunos e alunas, a graduação em ciências sociais é profundamente política. Eles estão no curso não somente por um pendor teórico, por gostarem de ler e escrever ou porque querem ser pesquisadores e professores, mas, também, porque querem imaginar e produzir outras relações sociais em suas realidades.

Em uma aula, em um momento de conversa informal, perguntei para eles por que continuavam no curso mesmo sabendo das dificuldades para construir uma carreira em ciências sociais no Brasil contemporâneo. Uma menina respondeu que estava cansada de ser humilhada, sublinhando que, além de ser mulher, é gay, pobre e trabalha como entregadora por aplicativos. Ela disse que, nas ciências sociais, ela continua sentindo-se humilhada, mas, ao mesmo tempo, tendo uma chance de contra-atacar. Chance essa que representa, a um só tempo, esperança e sobrevivência.

De que lado está a antropologia?

Portanto, lá estávamos nós, no início do segundo semestre de 2020, cansados por sermos brasileiros vivendo em uma pandemia, sob o governo de Bolsonaro, e tendo aulas remotas. E o curso que tínhamos pela frente era, justamente, antropologia do Brasil. Em muitas graduações de ciências sociais em universidades brasileiras, ‘antropologia do Brasil’ é uma disciplina obrigatória. Neste curso, apesar da plena autonomia dos professores para montar seus programas de ensino, é uma tradição acompanhar a história da antropologia no Brasil, o que significa, em grande medida, estudar como os temas raciais e indígenas construíram a identidade nacional da disciplina.

Com efeito, observando alguns programas de ensino de cursos de ‘antropologia do Brasil’ recentemente ministrados, notamos esta tendência: em um, do segundo semestre de 2018, previa-se um módulo inicial que partia das teorias racialistas do século XIX, passava por Nina Rodrigues e Oliveira Viana, e culminava em Gilberto Freyre. Em um segundo módulo, a questão indígena era tratada inicialmente pelas reflexões de Mariza Correa para, na sequência, revisar as principais linhas interpretativas da etnologia indígena nacional, da fricção interétnica ao perspectivismo.

Já em outro programa de ensino, do primeiro semestre de 2019, a sequência das temáticas invertia-se, primeiro a indígena e, depois, a racial. Entre os programas, algumas diferenças na bibliografia, na duração dos módulos e, também, no que vinha depois deles: enquanto o primeiro partia para as bases da antropologia urbana desenvolvida no Brasil, o segundo enfatizava os estudos de religião. Todavia, ambos privilegiavam as temáticas indígena e racial e tomavam a linha histórica e cronológica para apresentar e discutir a antropologia do Brasil.

Será que nós, meus estudantes e eu, estávamos em condições de estudar a história da antropologia no Brasil? Será que nós tínhamos disposição para nos engajarmos com textos racialistas do século XIX? Será que era o melhor momento para estudar a perspectiva antropológica de Nina Rodrigues e as ideias de Gilberto Freyre? Será que o momento era emocional e cognitivamente propício para revisar a história da etnologia indígena feita no Brasil? Parecia que não, não era o momento. Não era o momento de estudar história e nem de falar sobre antropologia. Parecia que era o caso de convidar os alunos para fazer suas histórias na antropologia.

Importante ressaltar que não estou sugerindo qualquer crítica aos programas de ensino de antropologia do Brasil. O modelo consagrado de plano de ensino de antropologia do Brasil não é nem um pouco ruim. Ao contrário, é muito bom. Trata-se de um ótimo caminho para conhecer a história da antropologia brasileira. O que estou afirmando é que o momento não parecia estimular o tipo de estudo que esse caminho oferece. Um caminho mais pavimentado pela história do que pela prática da antropologia, que guarda o perigo de abordar o passado descolado das tensões políticas presentes e, por extensão, de refletir sobre a antropologia como um saber neutro e imparcial diante das brutais e profundas desigualdades que marcam as alteridades neste país.

Importante salientar que, em agosto de 2020, no início das aulas do segundo semestre, ecos do movimento norte-americano ‘vidas negras importam’ ressoaram por aqui. As ações nos Estados Unidos e na Europa que questionavam a supremacia branca e derrubavam estátuas de personagens históricos promotores do colonialismo e da escravidão inspiravam os estudantes, reforçando seus desejos por mudanças por aqui também. Lembro-me de como tivemos aulas em que conversamos longamente sobre esses acontecimentos e sobre eventos de violência racial ocorridos no Brasil na mesma época e como os alunos estavam mobilizados pelo que havia acontecido, como tentavam, mais do que entender o que havia acontecido, descobrir como e o que eles poderiam fazer para mudar a forma como as coisas acontecem no Brasil. A impressão que tenho é a de que os alunos estavam com suas emoções à flor da pele.

Parecia que suas posturas críticas às desigualdades e aos preconceitos, em razão do contexto delicado que estávamos vivendo, foram inflamadas, como se não bastasse simplesmente fazer a crítica. Eles queriam fazer algo, canalizar suas forças à ação, como se estivessem precisando aliviar uma carga emocional que seus corpos não suportavam mais acumular. Esse desejo de ação manifestou-se, por exemplo, quando eles literalmente me perguntaram o que a antropologia poderia fazer a respeito da violência racial e como nosso saber poderia ajudá-los a fazer algo a respeito.

Tomei essa pergunta – o que a antropologia pode fazer a respeito das desigualdades e violências contra as diferenças – como uma vinculação do meu curso ao debate que tem sido travado na antropologia desde o momento em que se começou a questionar a agência do colonialismo nas pesquisas e teorias antropológicas. Ao menos desde o início da década de 1970, a antropologia tem sido provocada a revisar suas premissas modernas – aquelas estabilizadas no início do século XX – em razão de questionamentos críticos que apontam para o impacto que o contexto colonialista teve no empreendimento antropológico.

Tal revisão, dentre várias de suas consequências, fez com que os antropólogos reconhecessem o caráter inelutavelmente político de qualquer pesquisa e texto etnográficos. Portanto, quando os alunos me perguntam o que a antropologia pode fazer a respeito das desigualdades e violências, eles estão querendo saber de que lado está a antropologia. Eles querem saber se a antropologia vai lhes implicitamente recomendar reificar perspectivas e práticas colonialistas ou se ela vai reconhecer a violência da desigualdade que marca o Brasil.

No que diz respeito ao curso que estávamos tendo, os encaminhamentos para essa indagação não exigem necessariamente uma mudança drástica no programa de ensino. É plenamente possível ler criticamente Nina Rodrigues, assim como podemos recuperar os debates contemporâneos a respeito da obra de Gilberto Freyre para refletir sobre o modo como ela manifesta uma versão do mito da democracia racial. Enfim, a história da antropologia no Brasil não existe em si, mas, antes, ela se faz a partir das leituras e interpretações que fazemos dela em nossas aulas.

Contudo, os alunos não me perguntaram somente o que a antropologia poderia fazer a respeito das desigualdades e violências. Eles também queriam saber como a antropologia poderia lhes ajudar a fazer algo a respeito. Ao colocar a pergunta nesses termos, eles estavam questionando minha aula e meu curso. As perguntas dos alunos não só me fizeram vincular a antropologia ao colonialismo, mas as minhas próprias estratégias de ensino também. Afinal, como sabemos, além da antropologia, uma aula também pode ser colonialista.

Assim, no calor dos primeiros encontros do nosso curso, entendi que, mesmo se eu preparasse aulas críticas e atualizadas, se eu as articulasse a partir de um método expositivo, elas poderiam ter um efeito colonizador. No mínimo, promoveriam o desinteresse dos alunos. E naquele contexto de cansaço total – tecnológico, pandêmico, político – decidi que não poderia demandar dos alunos uma escuta atenta, uma participação interessada e uma identificação reflexiva dos conteúdos do curso em avaliações escritas. Essas posturas, assim me pareceram, eram escolásticas demais para o momento e para os questionamentos da turma.

“Não vou aceitar sua palavra sobre meu corpo”

Assim, na aula em que eles fizeram essas perguntas, em vez de embarcar em alguma formulação verbal sobre a antropologia no Brasil, e para ganhar tempo diante do impacto que tiveram em mim, disse que eram ótimas perguntas, que poderíamos pensar sobre elas e que conversaríamos no próximo encontro. Pensei, decidi e, na aula seguinte, sugeri que poderíamos tentar aprender na prática. Foi então que uma oportunidade pedagógica se abriu para nossa turma. Para o curso de antropologia do Brasil, encurtei a lista de leituras que o programa clássico propunha e convidei os alunos a fazerem uma pesquisa sobre os protagonistas pretos, indígenas, mulheres, deficientes, gays e trans no Brasil contemporâneo.

Eles eram totalmente livres para escolher as pessoas e os movimentos que desejavam pesquisar. Não precisava ser gente famosa com alguma presença na mídia. Poderia ser qualquer pessoa ou movimento que eles quisessem. A tarefa era pesquisar online sobre eles, se possível entrar em contato para saber mais, e em datas específicas apresentar suas pesquisas para a turma. Na apresentação, eles tinham que tecer algumas reflexões sobre por que a pessoa ou movimento escolhido podem ser considerados protagonistas e como suas ideias e ações de alguma forma imaginam e agenciam um Brasil menos desigual. Combinei as apresentações para dali dois meses. Até lá, estudaríamos a bibliografia que havia sobrado no meu programa de ensino original.

As escolhas que os alunos fizeram me pareceram ótimas. Eles escolheram pesquisar sobre o abolicionista Luiz Gama, sobre movimentos de ocupação de prédios abandonados no centro da cidade, dos rappers Djonga e dos Racionais MCs, também trataram da escritora Conceição Evaristo e do escritor Daniel Munduruku, além de outros movimentos, artistas e intelectuais. O que mais me chamou a atenção, contudo, foi o resultado de suas pesquisas, explicitado nas apresentações. Para ilustrar o ponto, discorro brevemente sobre uma delas, que tratou dos slams na baixada fluminense.

Slams, assim aprendi com a aluna que fez essa pesquisa, são competições em que os participantes, quase todos jovens, performam textos autorais de verve poética. Nesses encontros, realizados em calçadas, praças e, raramente, em locais fechados, os presentes julgam quem apresentou a melhor performance. Julgam, disse ela, não no sentido formal, com notas. Trata-se mais de uma aclamação geral que resolve quem ganhou a noite. A aluna que fez a apresentação é de Duque de Caxias (RJ) e, antes de vir para Curitiba (PR) por razões familiares, participava desses encontros. Ela não apresentava seus textos, mas uma amiga dela, sim.

Ela entrou em contato com essa amiga, foi conversando por aplicativos de mensagem sobre os slams e trouxe para a apresentação vários áudios trocados entre elas. Além disso, expôs vários vídeos das apresentações que ela acompanhava quando estava por lá. Um deles mostrava sua amiga, então com treze anos, performando um texto autoral muito incisivo, que repetia ao longo da mensagem a frase “eu não vou aceitar sua palavra sobre meu corpo”. Ora era a palavra de homens, ora do poder ou da sociedade, mas a repetição da frase, ao mesmo tempo em que sublinhava a força de sua resistência, indicava como era difícil não aceitar a palavra sobre o corpo dela.

Já minha aluna, na sua apresentação da pesquisa, discorreu sobre como esses jovens se conheciam – entre a casa e a rua, ela argumentou, o colégio –, como os encontros eram marcados – redes sociais – e, principalmente, como o caráter competitivo, que se manifestava em “zuações” uns com os outros, gerava amizade e companheirismo. Eu não tenho dúvidas de que ela fez antropologia nesta pesquisa. Claro, uma pesquisa inicial, mais de mapeamento do campo, mas, ainda assim, um pleno exercício de etnografia e de análise antropológica.

Ainda tiveram outros exemplos de como os alunos fizeram alguma antropologia nessa atividade. A aluna que tratou de Conceição Evaristo, por exemplo, abordou exemplos de professoras de ensino médio que ensinavam a autora em suas aulas e de como a leitura dos poemas pareciam ressignificar as percepções de alunas. Outra aluna ensaiou algumas hipóteses interpretativas sobre o sucesso dos Racionais MCs entre jovens da periferia, sugerindo que eles ofereceram uma representação “orgulhosa” do jovem pobre e preto em uma época – fins do século passado – em que imagens assim eram raras. Outro aluno, ainda, esboçou uma análise da literatura de Daniel Munduruku à luz da sugestão de Gersem Baniwa de que é preciso elaborar imagens positivas das etnias indígenas em sala de aula para lutar contra os preconceitos étnicos no Brasil.

Ainda estou tentando entender o que aconteceu neste curso e nessas experiências. Em todo caso, creio que as pesquisas dos alunos articularam uma espécie de duplo movimento, pedagógico e político ao mesmo tempo: eles estudaram antropologia praticando antropologia e, de alguma forma, com isso, conheceram mais sobre a realidade que os aflige. Talvez mais do que isso, já que descreveram ações, obras e eventos que questionam as relações de poder e reclamam mudanças sociais. Em todo caso, quero acreditar que, apesar de não terem lido alguns clássicos da antropologia brasileira, trabalharam suas habilidades de ler, falar e interpretar a alteridade no Brasil, descobrindo que o que nós antropólogos chamamos de cultura está repleto de ações, emoções e políticas.

Solidariedade densa

Na última aula do curso, eu retomei as perguntas que eles fizeram e que foram a faísca para as mudanças que propus. Novamente, não sugeri nenhuma resposta às perguntas, mas ponderei que as pesquisas que eles apresentaram ofereciam linhas de reflexão a partir de suas indagações. A antropologia é uma forma de testemunho da exuberância, riqueza, inteligência, força e altivez dos perdedores da história. Fazer esse testemunho implica responsabilidades com as pessoas das quais contamos suas histórias. Nossos alunos não vão assimilar o peso dessa responsabilidade se não praticarem esses testemunhos antropológicos. Acredito que é só fazendo antropologia que eles podem perceber que uma descrição densa é acompanhada de uma solidariedade densa.

O que a antropologia pode fazer a respeito das desigualdades e violências e como ela pode ajudar os alunos a fazer algo a respeito? Como professor de antropologia na graduação, depois dessa experiência, entendo que mais do que dar uma resposta, é preciso convidar os alunos a procurar suas respostas para essas perguntas.

Acredito que essa oportunidade tenha me permitido reforçar a compreensão de que uma aula na universidade, assim como em qualquer outra etapa da educação escolar, é cheia de política. Esta oportunidade pedagógica me fez pensar que, se queremos descolonizar a antropologia e mudar nosso país em direção a um futuro mais inclusivo, temos que descolonizar todo o nosso sistema educacional, incluindo nossos métodos e programas de ensino universitário, inclusive os da própria antropologia.

Talvez estejamos num momento em que tenhamos de inverter a relação moderna entre escola/universidade e aluno: em vez da instituição formar os jovens, propor que as novas gerações traduzam e pratiquem a universidade nos seus próprios termos. Ou seja, propor que eles colonizem a escola e a universidade. Afinal, nós professores também temos responsabilidades com nossos alunos. Nossas aulas são testemunhos também. Então, na nossa aula, de que lado estamos?

Terminamos o semestre com muitas perguntas para pensar e ainda cansados ​​e sem esperança. Mas um pouquinho, só um pouquinho, mais aliviados, como se tivéssemos chutado a bunda do nosso inimigo, como se uma dose do ódio que acumulamos por sermos humilhados tivesse sido destilada em alguma bebida agradável. Foi uma sensação boa para se ter, mesmo imersos neste oceano de desespero em que nos encontramos ainda hoje.

* Leonardo Carbonieri Campoy, doutor em antropologia, é professor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e no Mestrado Profissional em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (PROFSOCIO/UFPR). Realizas pesquisas em antropologia das práticas urbanas e musicais e em antropologia do autismo e da deficiência.

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